Sentir dor na virilha durante ou após a atividade física pode não ser uma simples lesão muscular. Alguns atletas convivem anos com essa dor relacionada ao esporte, geralmente na raiz da coxa, por não procurar assistência médica adequada. A articulação do quadril é fisiologicamente e biomecanicamente complexa, e um diagnóstico preciso nem sempre é fácil, ainda mais quando se trata de uma doença como a síndrome do impacto fêmoro-acetabular em que novos conhecimentos surgem em uma velocidade muito grande.
Esta é uma patologia do quadril que se caracteriza pelo conflito mecânico que gera impacto entre o fêmur (osso da coxa) e o acetábulo (local em que o fêmur encaixa na bacia). Ela geralmente acomete pacientes adultos jovens praticantes de atividade física como ciclismo, futebol, tênis, crossfit, dentre outras atividades que envolvam a flexão do quadril. Tem como principal sintoma a dor na virilha durante a atividade física ou após a prática dela. Neste caso, quando a alteração anatômica ocasiona sintomas, chamamos de Síndrome do Impacto Fêmoro-acetabular. Em casos mais graves, o simples fato de permanecer sentado ou cruzar as pernas pode ocasionar dor.
O diagnóstico dessa patologia deve ser feito pelo profissional capacitado através da história clínica e do exame físico do paciente. A história típica é uma dor na região da virilha durante um chute no futebol, ou após certo tempo de corrida, ou quando força mais a passada em uma caminhada. Atividades que forçam a flexão do quadril como agachamento em academias ou no crossfit também podem causar dor no quadril devido ao impacto. Dor persistente na coxa após a prática do exercício também é comum. Por afetar toda a hemipelve, o conflito entre o fêmur e o acetábulo pode causar dor na sínfise púbica (articulação entre as hemipelves) e na sacro-ilíaca (articulação da bacia com a coluna), o que podem ser inclusive os únicos sintomas de uma síndrome do impacto fêmoro-acetabular (IFA) e acabar passando desapercebido por médicos menos atentos.
Podemos classificar o IFA em três tipos. O tipo cam, em que há uma protumberancia óssea na transição entre o colo e a cabeça do fêmur (mais frequente no gênero masculino). O tipo pincer, em que há um crescimento ósseo na borda do acetábulo (mais frequente no gênero feminino). E o tipo mais comum, que é o misto, em que o cam e o pincer coexistem.
O exame físico do quadril deve ser realizado de forma completa, observando desde a rotação dos membros durante a marcha até a realização de manobras específicas. Cada etapa nos ajuda a reforçar nossas hipóteses e afastar outras. Além do sinal do C, que é a posição da mão do paciente quando pedimos ao mesmo para apontar o local da dor, outro teste muito sensível para o impacto é o chamado FADURI, que ocasiona a reprodução da dor quando realizamos a flexão, adução e rotação interna do quadril do paciente. A realização da avaliação da amplitude de movimento do quadril é etapa fundamental. Nos pacientes com IFA costumamos observar diminuição da rotação interna do quadril pelo conflito entre o fêmur e o acetábulo. A inclinação pélvica também deve ser observada, pois pode ser peça fundamental no tratamento da patologia.
A confirmação do diagnóstico é realizada pelo exame de radiografia, no qual podemos observar alterações anatômicas típicas da doença. Essas alterações são basicamente uma protuberância óssea na transição entre o colo e a cabeça do fêmur (chamamos de cam) e uma proeminência óssea no acetábulo (pincer). Essas duas alterações podem vir isoladas ou, mais comumente, combinadas, quando chamamos impacto tipo misto (mais de 80% dos casos).
Além dessas alterações básicas, outros sinais podem ser observados por um profissional treinado, como o sinal da parede posterior do acetábulo, ou o sinal do cross over. Eles nos orientam quanto a posição do acetábulo na pelve e influenciam diretamente na decisão do tratamento. Ainda devemos lançar mão de ângulos para mensurar as deformidades e planejar as correções. Esses são os ângulos alfa no fêmur e ângulo CE no acetábulo.
Outros aspectos avaliados nas radiografias são a posição das espinhas posteriores (sinal da espinha posterior), sinal da impressão do acetábulo no colo, o offset (distância) cabeça-colo e o índice cabeça-colo. Ou seja, é possível extrair muitas informações que são fundamentais quando se conhece bem a doença (síndrome do IFA) e a anatomia da pelve e sua representação radiográfica. Importante perceber que uma ressonância magnética não é um exame melhor que a radiografia. Muitas vezes são complementares.
Além das radiografias simples que já nos trazem informações importantes, o exame de ressonância magnética complementa o estudo da patologia por demonstrar alterações nas cartilagens, labrum acetabular, ligamento redondo, enfim, em estruturas de partes moles do quadril. Essas estruturas sofrem a consequência de uma biomecânica alterada pelas proeminências ósseas e acabam sofrendo lesões. Hoje sabemos que cada estrutura dessa é fundamental para o bom funcionamento do quadril e devem ser reparadas ou até reconstruídas no tratamento cirúrgico.
O tratamento da síndrome do impacto fêmoro-acetabular pode ser realizado de duas maneiras dependendo de cada caso. Inicialmente, o tratamento conservador (sem cirurgia) é uma opção na maioria dos casos. A realização de fisioterapia e reabilitação com fortalecimento específico de certos grupos musculares pode ser suficiente para adequar a postura do paciente e evitar a continuidade do impacto fêmoro-acetabular. Outra opção que não costuma agradar o atleta é a modificação da atividade física praticada, no entanto, deve sempre ser oferecida como opção para cada indivíduo.
Em situações muito peculiares, como atletas que tem competições muito próximas e não querem renunciar à mesma, a infiltração com ácido hialurônico ou o bloqueio de nervos podem ser alternativas. Vale lembrar que a infiltração com anti-inflamatórios esteroidais, que são os corticoides, é considerada doping e não pode ser utilizada por atletas profissionais, mas é uma opção para atletas amadores. No entanto, infiltrar o quadril de um paciente sem critério rigoroso, pode apenas mascarar um problema e até agravá-lo. Portanto, nem sempre uma solução que parece a mais simples é a melhor. Lembre sempre de procurar um profissional que tenha realizado aperfeiçoamento em cirurgia e patologias do quadril.
Casos em que os sintomas não melhoram com o tratamento conservador devem ser considerados para um tratamento cirúrgico. Atualmente, a cirurgia para correção e reparo dos danos causados pelo IFA é, em sua grande maioria, realizada por vídeo (artroscopia de quadril). Nela confeccionamos pequenos portais (incisões na pele de aproximadamente 1,0 cm) por onde introduzimos a câmera (artroscópio) e os instrumentos cirúrgicos. Com eles ressecamos o excesso de osso e realizamos reparo no labrum acetabular – estrutura de fundamental importância para a biomecânica do quadril. Hoje sabemos que não reparar o labrum, quando o mesmo é possível, é prejudicial para a articulação.
A fisioterapia bem realizada é fundamental para a reabilitação pós-operatória. De nada adianta uma cirurgia bem realizada e principalmente bem indicada, se no período pós-operatório as etapas de recuperação não forem bem executadas. Dependendo do que foi realizado na cirurgia, pode ser necessária a deambulação com auxílio de muletas nas primeiras semanas. As etapas na fisioterapia vão progredindo até atingir o 4º estágio, em que os pacientes repetem os gestos esportivos sem sentir desconforto e se sentem aptos a retornar aos treinos e competições.
Parabéns pelo excelente conteúdo amigo! Profissional atualizado, que sabe trabalhar em equipe! Só tenho recebido elogios dos alunos que indico!